Quando a política estava na ordem do dia,
uma mulher nem nova nem velha sai de casa para ir à praia. À luz clara
da manhã, rememora a sua vida. «O que poderá ter para mim ainda um sentido?»,
interroga-se na viagem de eléctrico que a leva de Leça ao mercado de
Matosinhos. Aí, um vendedor apregoa por um funil de lata um xarope para
todos os males. No regresso, a nortada da tarde vai desagregando a seus
olhos a limpidez que a manhã revelara no mar nas ruas e nas gentes.
Outras impressões e devaneios infrutíferos a acompanham. Fantasia-se a
viajar aos confins do universo correndo risco de vida para levar consigo
esta pergunta: «por que motivo os seres humanos se brutalizam uns aos
outros?» Conto de recorte autobiográfico ou alegoria sobre a acção
humana no mundo A Mulher do Chapéu de Palha constrói uma perturbadora
imagem da dilaceração do sujeito.
«Por entre livros novos,
livros, densos, livros de novos autores portugueses, livros de autores
originários de países imprevisíveis, por vezes, aparece um ou outro
livro que chama a atenção por um ou outro motivo. Pela capa, pelo
aspecto gráfico no seu conjunto, pela idoneidade da editora, até, pelo
tamanho. (...) Pequenino, estava mesmo a calhar para leitura depois do
jantar. Em boa hora.
“A mulher bateu a porta de casa e saiu para a
avenida”. Assim começa a prosa que nos poderia levar a todo o lado.
Desde manhã que uma pergunta a assalta: “O que poderá ter para mim ainda
um sentido?”
Graça Pina de Morais leva-nos a percorrer as ruas da
cidade com cheiro a maresia, acompanhamo-la de eléctrico de Leça ao
mercado de Matosinhos numa escrita não imune à sensibilidade feminina.
Pelo caminho depara-se com um vendedor que apregoa por um funil de lata um xarope para todos os males.
A sua cabeça não pára. A imaginação leva-a a outros mundos. E uma
pergunta não lhe sai da cabeça: “por que motivo os seres humanos se
brutalizam uns aos outros?”
Sines, 16 de Junho de 2012, Joaquim Gonçalves [livraria A das Artes]