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Após uma criteriosa análise e selecção, Amadeu Ferreira define o
núcleo essencial dos provérbios mirandeses e elimina as repetições
(variantes não significativas). O resultado é a mais completa recolha
até hoje publicada, que revela a essência dos saberes populares da
cultura das Terras de Miranda.
A obra inclui o estudo introdutório
«Ditos dezideiros mirandeses i l fondo quemun de las regras de bida i de
l saber antigo i mediabal». Os provérbios são apresentados por ordem
alfabética e respeitam as regras da Convenção Ortográfica de Língua
Mirandesa.
«Amadeu José Ferreira, natural de Sendim, é um
investigador combativo e um acérrimo defensor do mirandês, primeira
língua que ouviu, aprendeu e falou. Desde pequeno começou a escrever
poesia (com o pseudónimo Fracisco Niebro), sendo que a sua veia
linguística, literária e cultural leva-o a outras áreas, como é o caso
da ficção e do teatro.
Homem profundamente culto, tem formação
académica no domínio das humanidades e a sua actividade científica
distribui-se, com igual paixão, pelo Direito e pela Língua Mirandesa.
Pode dizer-se que a sua formação lhe permitiu uma profunda e consistente
intervenção na aplicação da lei do reconhecimento oficial de direitos
linguísticos da comunidade mirandesa, depois de aprovada.
Tratando-se de um património cultural e um instrumento de comunicação e
de reforço de identidade da terra de Miranda, Amadeu Ferreira empenha-se
no ensino do mirandês (na sua qualidade de presidente da Associaçon de
Lhéngua Mirandesa). Assim, vemo-lo envolvido no apoio aos aprendentes do
mirandês, quer através do diálogo com professores, quer na elaboração
de programas, quer ainda nas conversações com editoras para publicação
de obras em mirandês. «Onde todos ajudam, nada custa.»
A par de
outras formas para divulgar o mirandês, a iniciativa de publicar a obra
Ditos Dezideiros – Provérbios Mirandeses reveste-se de capital
importância. Primeiramente, porque nas sociedades modernas a transmissão
de valores culturais deixou de pertencer ao núcleo familiar e transitou
para as escolas e para outras instituições. Segundo, porque o estatuto
de 2.ª língua oficial em Portugal exige um tratamento compatível com a
igualdade de oportunidades. Por último, numa União Europeia comprometida
com os valores da fraternidade, igualdade, liberdade e solidariedade, a
passagem do testemunho dos nossos antepassados às novas gerações é um
bom contributo para a promoção da cidadania.
Como refere Luís Chaves
no prefácio ao livro Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares Communs,
de António Delicado, 1923: «Forma simples e attrahente de transmittir
conhecimentos adquiridos pela experiencia dos seculos, o adágio tem uma
expressão intimativa, a modos de equação algebrica da vida, que prende.
Na sua multiplicidade imensa, ha nelle unidade extraordinária […]; e
tamanha influencia tem a rima, […], que o conceito por ella fica bem
condicionado.»
Muitos provérbios agrícolas, atmosféricos e
climatéricos forçam a rima para os referenciar no tempo e no espaço:
«Die de Santa Lhuzie, míngua la nuite i crece l die», «Ne l Natal, l die
yá ten mais un saltico de pardal», «Por San Simon i San Judas, colhidas
son las ubas» e «Pul San Brás, ciguonha berás». Também os provérbios
irónicos de ápodo típico como, por exemplo, «Quien bai a Santaren, se
burro bai burro ben» usam a rima como forma de evidenciar certo tipo de
sarcasmo, sobretudo nas relações de vizinhança. Embora a rima ajude a
identificar uma expressão como provérbio, a verdade é que muitos ditos
não rimam e, nem por isso deixam de ser considerados provérbios como é o
caso de «Todos ls caminos ban a tener a Roma». Interessante é notar
que, usando a mesma estrutura frásica, podemos dizer «Todos ls caminos
ban a tener a Tabira», dificilmente reconhecível como provérbio por
ainda não ter atingido a universalidade.
Mas afinal, o que é um
provérbio? Passados séculos de lidação com expressões proverbiais, ainda
hoje os grandes mestres da paremiologia mundial não se entendem quanto a
uma definição universal. Se, para Moses Ibn Ezra, o provérbio tem três
características – poucas palavras, bom senso e uma bela imagem, Wolfgang
Mieder incorpora sete conceitos na definição: frase curta, geralmente
conhecida como popular, contendo sabedoria, verdade,moral e perspectivas
tradicionais, que se apresenta sob a forma metafórica e memorizável,
para mais facilmente se transmitir de geração em geração.
Quanto à
existência de variantes de um mesmo provérbio o autor desta obra sugere a
eliminação de todas as que configurem meras repetições. Todavia, do
ponto de vista pedagógico, a permanência escrita das variantes é
importante para compreender outras dimensões para além da linguística.
Os provérbios «A la cuonta de ls ciganos cómen ls aldeanos» e «A la
cuonta de ls ciganos róuban ls aldeanos» ilustram o valor das variantes
quando se trata de ajuizar sobre modos de vida de distintas classes
sociais, como o próprio autor reconhece.
Ao afirmar que muitos
provérbios dizem o contrário de outros, o autor vai ao encontro da
variabilidade pessoal e situacional, sendo frequente encontrar pares de
provérbios que se completam por reforço ou por oposição. Eis três
exemplos de provérbios ditos emparelhados («Quien dubida pergunta»,
«Quien dubida quier saber»), («Quem espera, desespera», «Quem espera
sempre alcança») e («Loinge de la bista, loinge de l coraçon», «Quien
nun aparece, squece»).
Um outro aspecto que o corpus apresentado
nesta obra permite salientar diz respeito à transformação que um
provérbio pode sofrer por força dos movimentos migratórios das pessoas
que os usam. Quando em presença de espaços culturais distintos, o
provérbio pode ser traduzido («Todos ls caminhos ban a tener a Roma =
Todos os caminhos vão dar a Roma = Todos los caminos llevan a Roma =
Tous les chemins mènent à Rome = All roads lead to Rome = …») ou haverá
necessidade de encontrar um equivalente. Para o provérbio português «Em
casa de ferreiro, espeto de pau» temos os equivalentes «Szewc bez butów
chodzi» ou «Syn gospodarzy szewski idzie boso», em língua polaca e que
significam «Muitas vezes o sapateiro não tem sapatos» ou «Em casa de
sapateiro, o filho anda descalço».
Como fundador da Associação
Internacional de Paremiologia/International Association of Paremiology
(AIP-IAP), e após o contacto com a obra de Amadeu Ferreira sobre os
provérbios mirandeses, em língua mirandesa, não podia deixar de
felicitar o lutador Amadeu Ferreira por ser capaz de se agarrar «… cun
gana a las cousas-causas de que gusta i an que acradita», fazendo por
pôr em prática a ideia que impôs a si próprio: «nun deixar passar un die
sin fazer algo pula lhéngua mirandesa» e aplaudir o editor António
Baptista Lopes e a Âncora Editora por mais esta relevante iniciativa
proverbial.» Rui JB Soares, Prefácio
Disponível na Traga-Mundos –
livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... |
Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila
Rial...
[também disponíveis do autor: “Tempo de Fogo”; “La Bouba de
la Tenerie” e “Ars Vivendi, Ars Moriendi” (poesia) de Fracisco Niebro;
“Língua Mirandesa – Manifesto em Forma de Hino” de Amadeu Ferreira e
“Lhéngua Mirandesa – Manifesto an Modo de Hino” de Fracisco Niebro;
“Mirandés – stória dua lhéngua i dun pobo” (versão em língua mirandesa) e
“Mirandês – história de uma língua e de um povo” (versão em língua
portuguesa) banda desenhada de José Ruy; “A Terra de Duas Línguas – II –
Antologia de Autores Transmontanos” coordenação: Ernesto Rodrigues e
Amadeu Ferreira; “NorteAndo” Amadeu Ferreira texto, Luís Borges
fotografia; “L Mais Alto Cantar de Salomon” bersion mirandesa de
Fracisco Niebro]