Dificilmente poderia ser melhor a ocasião para o Centro de Estudos Bocageanospublicar “O Marquês de Pombal, o Terramoto de 1755 em Setúbal e o Padre Malagrida”. Ainda sob os ecos da eleição do jesuíta argentino Jorge Bergoglio como papa Francisco, eis que Daniel Pires, autor deste quinto volume da colecção “Clássicos de Setúbal”, acaba de trazer à luz episódios de um enredo político tão famoso quanto trágico, mas com muitos detalhes por conhecer, envolvendo o padre Gabriel Malagrida, a Companhia de Jesus e o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, aquele que viria a ser o Marquês de Pombal.
O protagonista central da investigação de Daniel Pires agora publicada é o padre jesuíta G. Malagrida, italiano de nascimento, missionário em terras brasileiras, pregador com fama de santo e homem empreendedor e influente junto da alta nobreza nacional. O autor aprofunda assim a atenção que havia já dedicado ao personagem com a edição de “Padre Gabriel Malagrida: O Último Condenado ao Fogo da Inquisição”.
As consequências do terramoto de 1755 em Setúbal são o pano de fundo diante do qual decorre a trama que opõe Malagrida e os jesuítas ao ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. Ou, para ser mais preciso, o jogo de forças que decorre entre o Estado do despotismo iluminado, personificado por Pombal, e o imenso poder e influência da Companhia, com amplas repercussões não só no continente europeu, como em terras brasileiras onde os jesuítas dispunham de uma importante presença (missões) e exerciam uma actividade que desafiava a afirmação dos poderes estatais ibéricos. E que se viria traduzir na guerra guaranítica (1753-1756).
O terramoto em Setúbal
Trata-se de uma obra de relevante importância para o conhecimento da história de Setúbal. Veja-se, por exemplo, o recurso ao testemunho presencial do historiador setubalense Gregório de Freitas, contemporâneo do terramoto (inNotícia do Terramoto do mês de Novembro de 1755 pelo que respeita a esta Vila de Setúbal) ou a representação do Senado da Câmara Municipal de Setúbal ao Rei D. José em resposta à pretensão de um “grupo de moradores”, sob a égide da Companhia de Jesus, em fundar uma Casa de Exercícios Espirituais na ermida do Senhor do Bonfim.
Mas é também um importante contributo para o conhecimento e caracterização da figura de G. Malagrida, nomeadamente da sua passagem por Setúbal e dos esforços para a propagação da obra religiosa da Companhia. Dá-se à estampa um conjunto de cartas do padre jesuíta, também escritas em Setúbal e na sua maioria dirigidas à Marquesa de Távora – uma das vítimas, decapitada em 1759, do processo que ficou conhecido pelo nome da família – mas também a outros religiosos, de onde avulta uma dirigida ao papa Clemente XIII, a quem se queixa do Primeiro-Ministro Carvalho e Melo. Ainda neste âmbito consta uma significativa bibliografia dedicada a Malagrida.
A obra organiza-se em torno de capítulos dedicados a (I) A terramoto de 1755 e as medidas do Marquês de Pombal para Setúbal, (II) O Padre Malagrida, (III)O Marquês de Pombal, a expulsão dos jesuítas e a execução do Padre Malagrida e (IV) A ofensiva final.
O exílio de Malagrida em Setúbal, decretado pelo ministro de D. José na sequência das críticas públicas do jesuíta (em Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto que padeceo a corte de Lisboa no Primeiro de Novembro de 1755) às explicações naturais de Sebastião José, torna Setúbal num centro de acção e difusão jesuíta. Afastado da corte para Setúbal, multiplicam-se a partir daí as obras e as iniciativas de Malagrida.
A adesão de altas figuras da nobreza aos Exercícios Espirituais (Exercitia spiritualia, de Inácio de Loyola, 1548) ministrados com grande sucesso por Malagrida, granjearam-lhe crescente influencia e acesso a recursos materiais e financeiros. Na obra agora publicada dá-se conta de um exemplo dos valores cobrados por Malagrida em serviços religiosos prestados a altas figuras da nobreza. Do processo que viria a ser instaurado pela Inquisição consta um “recibo seu, datado de 26 de Junho de 1755, passado em nome da Marquesa do Louriçal. Ascendia a duzentos mil reis, a terça parte do que fora acordado, para, com as suas orações, interceder pela fertilidade da sua confessada”, quando o “vencimento anual do cirurgião do Colégio de S. Francisco Xavier de Setúbal, Manuel Julião, em 1755, ascendia a 32400 mil reis, pode-se inferir que se trata de uma quantia extremamente elevada.” (pg. 57).
Vitória de Pombal
Vergados pelo poder pombalino após a tentativa de regicidio de D. José, Malagrida, acusado de autoria moral, acabaria executado e a Companhia de Jesus expulsa de Portugal e dos seus territórios em 1759. A acção sistemática de Pombal viria a contribuir para a expulsão da Companhia dos países católicos anos mais tarde, bem como à sua própria supressão, ditada pelo papa Clemente XIV.
Pombal e a sua máquina de poder não deixaram também de dedicar a sua atenção à eliminação dos testemunhos da passagem de Malagrida por Setúbal (como por outros sítios) emitindo ordens nesse sentido: “nesta mesa há informação que em um recolhimento, que na vila de Setúbal regia o padre Gabriel Malagrida, se acham algumas pinturas com a efígie do dito padre, assim em azulejo como em outras especies. Vossa mercê, logo que esta receber, passará à mesma vila e examinará as sobreditas pinturas com toda axacção, e achando-as em azulejo as fará reduzir a pó, e quando em outra espécie a cinza; e de assim o haver executado nos enviará com resposta sua na margem desta” (pg. 90)
Ficha técnica
Autor: Daniel Pires; Título: “O Marquês de Pombal, o Terramoto de 1755 em Setúbal e o Padre Malagrida” Capa: “Execução em auto-da-fé de P. Marinho”; Editor Centro de Estudos Bocageanos; Depósito legal: 356729/13; ISBN: 978-989-8361-11-0; tiragem: 500 exemplares.
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