El-Rei Dom Dinis redige, a 4 de Janeiro de 1289, aquele que haveria de
ser o primeiro passo para a criação da nova póvoa, assente agora sobre
um cabeço ou outeiro, onde o Corgo e o Cabril se encontram.
Para
este projecto concorrem um conjunto de personagens, entre os quais se
contam Simão da Cruz, fugido por um crime que em Guimarães cometeu,
Maria da Conceição e família, fugidos à pobreza, à fome e à mão pesada
de um senhor severo, Manuel Mestre-de-Obras, a quem é dada a missão de
erguer os muros da vila, Zacarias, o prestamista, de quem muitos
dependem e poucos gostam, Robalo o tolo - sentinela vigilante e tudo
menos néscio - Adosinda, a Bruxa do Corgo, uma excêntrica que vive só
junto às margens do Corgo e assiste com as suas mezinhas a quem se
socorre dela, Pero Anes Foucinha - personagem real, clérigo de Mouçós,
que foi procurador de El-Rei naquela região - e tantos outros que,
página após página, vão desfilando perante os nossos olhares, colhendo
simpatias, ou nem por isso.
A bela Filomena, rapariga muda, cuja
paixão nos comove e por quem, irremediavelmente, nos apaixonamos, Maria
da Conceição que nos divide os afectos, Gertrudes e Ana Vesga, as
coscuvilheiras da vila que nos molestam quase tanto como aos personagens
da história, Padre Hermenegildo que morre após uma lauta refeição, como
um santa a quem não se escutou um ai ou um ui e o seu sucessor que vê
finalmente construída a igreja que o primeiro tanto ansiou e nunca
chegou a ver. Por fim, Salomão e Inês, a quem o amor venceu e a vida
surpreendeu e, provando uma vez mais que a mentira tem perna curta e que
mais tarde ou mais cedo acabamos por nos confrontar com as nossas
culpas e os nossos fantasmas... deparamo-nos com o (in)esperado
desfecho, que é afinal o princípio daquela que, tão orgulhosamente,
conhecemos nos nossos dias como Vila Real (de Trás-os-Montes) a Princesa
do Corgo.
«Nos tempos de hoje, talvez banalmente, usamos as
palavras pobreza, sofrimento, dor… mas, noutros tempos, noutras eras,
foi essa a realidade cravada na pele daqueles que nasciam sem berço
dourado, sem nada a que pudessem chamar seu!
A Princesa do Corgo
mostra-nos, através de personagens que resvalam de soslaio os nossos
sombrios pesadelos, um olhar histórico cravado nesse sofrimento, mas uma
força e uma entrega que só a esperança no futuro pressagia.
É essa
força das personagens que nos prende à narrativa, porém é a beleza pura
da linguagem, que imaginamos ser daqueles tempos, que nos fascina do
princípio ao fim das quase setecentas páginas e nos transporta, como
numa viagem no tempo, a esse passado.
Não consigo já contabilizar o
número de livros que li, mas este foi, sem dúvida, um dos que mais me
fascinou e que li, lendo e relendo muitas das suas páginas, sem pressa
de acabar, não pela ausência de interesse, mas sim pelo desejo de beber
nelas esperança para tempos de crise que sentia acercarem-se e
inspiração para lutar como lutam os grandes Homens. Pois… é de grandes
Homens que A Princesa do Corgo vê povoadas as suas páginas, de Homens
que lutam, que nunca desistem… mesmo que nem sempre as suas almas
estejam, às vezes, isentas de mácula.
A fé, que mata e faz
renascer, é o motor que alimenta a luta daqueles que ergueram a bela
cidade de Vila Real. E não é ela que nos move sempre? A fé no ser
humano…»
[Ana Ludovino, Vila Nova da Barquinha]